A história da corrupção no Brasil como tudo começou...
A cordialidade da elite do município de Curuzu
enganou Policarpo Quaresma. No início, o personagem central da obra de Lima
Barreto chegou a pensar que a intimação assinada pelo simpático presidente da
Câmara era apenas uma brincadeira. Mas o documento era uma vingança. Ao se
recusar a entrar no jogo da corrupção local, Policarpo se tornou alvo de
represálias.
No romance de 1911, a corrupção na esfera pública não surge como fenômeno novo, mas aparece como mal característico da sociedade, o qual a República não demonstra interesse em suprir. As represálias sofridas por Policarpo escancaram o uso do patrimônio público para interesses privados.
Essa confusão tem sua origem séculos antes da
publicação do romance. A ausência de distinção entre público e privado
(patrimonialismo) e favorecimento de indivíduos com base nos laços familiares e
de amizade (clientelismo) foram características do modelo de colonização
aplicado no Brasil.
Tolerada pela Corte e ignorada pela Justiça, a corrupção encontrou, desta maneira, em solo brasileiro, condições propícias para sobreviver e se difundir na cultura do novo país durante a sua formação.
Sem uma ruptura real com as práticas
patrimonialistas e clientelistas, depois das duas primeiras grandes mudanças no
sistema político – a independência e a proclamação da República – a corrupção
continuou ganhando terreno em instituições públicas e no cotidiano brasileiro.
"Desde a
colônia, temos um Estado que nasce por concessão, no qual a instituição pública
é usada em benefício próprio. A corrupção persiste no Brasil devido a essa estrutura
de colonização" - Denise Moura, historiadora
Diante da dificuldade de encontrar súditos
dispostos a deixar o conforto da Corte em troca de aventuras no território
selvagem recém-descoberto, a concessão de cargos foi o mecanismo usado por
Portugal para garantir seu domínio e explorar as riquezas da nova colônia.
Para os que aceitavam vir ao Brasil, esses cargos
trariam não somente prestígio social, mas, principalmente, vantagens
financeiras. Durante o período colonial, o pagamento de propinas a governantes
e funcionários reais era uma prática tolerada e até regulamentada por lei.
A colonização com as concessões institucionalizou
na sociedade a percepção do bem público como privado. Ao ganhar um cargo
público do rei, os beneficiários tornavam-se donos destes postos e, com o aval
da Corte, os utilizavam para o favorecimento próprio, além de amigos e
familiares.
Essas práticas foram se difundido por todo o país
durante os mais de três séculos do período colonial e, com a manutenção da mesma
elite no poder depois da independência do país, em 1822, elas continuaram a
encontrar um terreno fértil para prosperar.
"A
diferença em relação ao Antigo Regime era que a Coroa não concedia mais mercês
que implicavam em gastos de dinheiro público. Ela usava apenas a moeda
simbólica dos títulos de nobreza para premiar as pessoas." - José Murilo
de Carvalho, historiador
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"Mas as práticas clientelistas, ou seja, o
favorecimento dos amigos à margem da lei, eram vistas pelos chefes políticos
como indispensáveis para manter e conquistar apoio político", afirma o
historiador José Murilo de Carvalho.
Pouco mudou neste cenário 67 anos depois da
independência, em outro grande momento da histórica política do Brasil: a
proclamação da República, em 1889. De acordo com Carvalho, o patrimonialismo e
o clientelismo, embora entrassem em conflito como os valores republicanos,
continuaram presentes no novo sistema.
"Os
valores republicanos, sobretudo a valorização da coisa pública e sua distinção
da coisa privada, até hoje não foram totalmente absorvidos no Brasil por ricos
ou pobres." - José Murilo de Carvalho
"A proclamação da República implicou mudança
na forma de governo, não nos valores", ressalta o historiador.
Fontes históricas sugerem, por exemplo, a
continuidade da prática de pagamentos de propina, como no caso de concessões
para construção de ferrovias durante a Primeira República.
Mesma prática, percepção
diferente
Apesar da propagação de determinadas práticas,
ocorreu ao longo da história uma mudança na maneira como essas ações eram
vistas pela sociedade. Um exemplo seria o pagamento de propina: que foi
tolerado no período colonial e que, mais tarde, passou a ser considerado
corrupção. Há também uma transformação na percepção da própria corrupção em si.
De acordo com a historiadora Lilia Moritz Schwarcz,
a partir da década de 1880, o Império passa pela primeira vez a ser acusado por
prática de corrupção, com casos sendo noticiados na imprensa. As acusações
dizem respeito, porém, ao sistema – e não ao indivíduo.
A percepção da corrupção associada ao sistema
predominou durante o Império e a Primeira República. Segundo Carvalho, nesta
época, na visão de quem denunciava a prática, a monarquia ou a república eram
corruptas por não promoverem o bem público e serem consideradas despóticas e
oligárquicas.
Somente
a partir de 1930 começa uma mudança neste entendimento, que culmina na
alteração do seu sentido
em 1945, com a criação da União Democrática
Nacional (UDN), que passou a associar a corrupção a indivíduos. Anos depois,
acusações de corrupção individual resultaram na queda de Getúlio Vargas,
acusado de ter criado um mar de lama no Catete.
Mesmo com a mudança de percepção, com indivíduos
sendo acusados nominalmente, a corrupção continuou encontrando terreno para se
manter presente na esfera pública. Essa persistência, de acordo com
especialistas, se deve principalmente à impunidade.
"Outro fator que contribuiu para a situação
atual, inédita no que se refere à dimensão adquirida pela corrupção, foi a
tradição de impunidade dos poderosos, essa sim, presente desde a Independência,
e que atribuo à fragilidade dos direitos civis", afirma Carvalho.
"Vários
privilégios protegem os poderosos, como o foro privilegiado, a prisão especial,
as múltiplas possibilidade de recurso e a capacidade de contratar advogados
caros"
Segundo Denise Moura, a impunidade, assim como a
corrupção, também faz parte da cultura brasileira e impediu o combate a essas
práticas ao longo da história. A historiadora afirma que estão ocorrendo
avanços nos últimos anos, mas uma verdadeira mudança ainda deve demorar para
acontecer.
"A sociedade avançou muito no sentido de
punir, mas não dá para varrer em poucos anos uma cultura. Não devemos esperar
que a corrupção, no caso brasileiro, será suprimida da noite para o dia. Para
mudar uma mentalidade são necessários séculos", ressalta Moura.
"A corrupção no Brasil persiste desde o período colonial, no qual a
ausência de distinção entre público e privado (patrimonialismo) e favorecimento
de indivíduos, com base nos laços familiares e de amizade (clientelismo), foram
características do modelo de colonização aplicado no Brasil, uma vez ignorada
pela Corte e ignorada pela Justiça. Depois das duas primeiras grandes mudanças
no sistema político – a independência e a proclamação da República – a
corrupção continuou ganhando terreno em instituições públicas e no cotidiano
brasileiro, de modo que os cargos políticos sempre trouxeram benefícios
próprios. Para os que aceitavam vir ao Brasil, esses cargos trariam não somente
prestígio social, mas, principalmente, vantagens financeiras. Durante o período
colonial, o pagamento de propinas a governantes e funcionários reais era uma
prática tolerada e até regulamentada por lei. A colonização com as concessões
institucionalizou na sociedade a percepção do bem público como privado. Ao
ganhar um cargo público do rei, os beneficiários tornavam-se donos destes
postos e, com o aval da Corte, os utilizavam para o favorecimento próprio, além
de amigos e familiares. Contudo, sabemos que o término da corrupção brasileira
está distante de terminar, haja vista que a cada dia que passa mais escândalos
envolvendo os políticos e todas aqueles que detêm o poder vem à tona em
diversos veículos de comunicação."
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